“Todos os animais são iguais”
Cibele dos Santos de Oliveira
Acadêmica do curso de Administração da UEM
“Todos os animais são iguais”. Esse é um dos princípios definidos pelo sistema de pensamento chamado Animalismo, do livro A revolução dos bichos, de George Orwell, ao qual podemos traçar uma análise com o pensamento político de Maquiavel em seu livro O Príncipe, um dos autores mais mal compreendidos de toda a história. A própria significação que se dá ao termo maquiavélico, associado a idéia de um procedimento astucioso, velhaco ou traiçoeiro, revela esta incompreensão, que só pode ser superada se percebermos que Maquiavel não escreveu algo impraticável. Apenas construiu sua teoria política a partir da combinação da experiência concreta no trato da coisa pública, com a observação aguda do processo político e o estudo da história, para se chegar ao conhecimento das ações políticas dos grandes homens.
Na esperança da igualdade é que se iniciam diversos movimentos e ideais políticos em busca do bem comum. Todavia, existem interpretações diferentes sobre a finalidade da política: de um lado a justiça e o bem comum, de outro, como exposto por Maquiavel, a tomada e manutenção do poder. Diante desta bipolaridade, ao observarmos a teoria política a partir de Maquiavel, nota-se uma sociedade dividida e jamais vista como uma comunidade homogênea. Essa imagem da unidade é uma máscara com que os grandes recobrem a realidade social para enganar, oprimir e comandar o povo.
Esta máscara é bem retratada no livro de George Orwell, que por meio de uma fábula retrata a Revolução Russa e a luta pelo poder depois da morte de Lênin em 1924. Em A Revolução dos Bichos, os princípios do animalismo expostos por Napoleão, Bola-de-Neve e Garganta, tinham como finalidade o bem comum para todos os animais da granja, mas este objetivo muda assim que acontece o golpe de Napoleão junto com seus cães de guarda. Após este fato, os animais não tinham mais participação nas decisões e apenas eram informados quando decididos pela comissão privilegiada e autoritária de Napoleão.
A obra de George Orwell expressa uma crítica ao socialismo implantado na Rússia, por ser contrário a teoria marxista. Na realidade, ele não critica o socialismo em si, mas sim o totalitarismo e o aburguesamento do regime soviético. No livro, os personagens Napoleão e Bola-de-Neve, são na verdade, Stalin e Trotski, que por terem teses diferentes, acabam entrando em conflito em meio a revolução. Ao tomar definitivamente o poder Napoleão (Stalin) passa a perseguir Bola-de-Neve (Trotski), que foi banido da granja, tendo como conseqüência principal, a perda das características revolucionárias iniciais.
Na Revolução Russa, o governo de Stalin se caracterizou pelo crescimento e desenvolvimento do país e também pelo esmagamento dos sovietes como órgãos de representação operária e pela perseguição aos que manifestavam oposição ao seu poder, como é o caso de Trotski e cerca de mais 7 milhões de pessoas. A repressão e o totalitarismo de Stalin na prática foi a negação dos ideais de Marx e dos primeiros pensadores socialistas. A política externa de Stalin que privilegiava os interesses nacionais da URSS, fez com que o movimento socialista reduzisse num apêndice do casuísmo stalinista, tornando-o inócuo e inconseqüente. Talvez como nenhum outro político, Stalin soube graduar a dicotomia do poder esboçada por Maquiavel. Seu sucesso deve-se a habilidade com que equilibrava Temor – caracterizado pela perseguição e opressão aos que se manifestassem contra seu poder – e Amor – estímulos e difusão dos ideais usando a propaganda como ferramenta – para manter-se na crista do Estado.
Para traçarmos uma análise política entre A Revolução dos Bichos e O Príncipe se faz necessário a compreensão deste último. Maquiavel em seu livro expressa o desejo de ver uma Itália poderosa e unificada, e não dividida como estava em sua época. Expressa também a necessidade de um monarca com pulso firme e que defendesse seu povo sem escrúpulos e sem medir esforços, mesmo que seja diante da crueldade ou da trapaça, se o que estiver em jogo for a integridade nacional. Daí explica-se a frase: “os fins justificam os meios”. Para manter ou conquistar um poder, não importa os meios que são empregados – sejam eles bons ou maus do ponto de vista ético – porque estes sempre serão honrosos e elogiados por todos, pois “o vulgo atenta sempre pelas aparências e para os resultados”. No entanto, para os fins justificarem os meios, é necessário que estes não entrem em contradição com os fins esperados, sendo preciso encontrar as formas adequadas para tal, ao contrário do que é realizado pela personagem Napoleão. Este acaba governando de forma contrária aos princípios iniciais, como por exemplo, o princípio determinado que “nenhum animal matará outro animal”, Napoleão acabou quebrando ao eliminar alguns animais e perseguindo seu ex-companheiro Bola-de-Neve. Para garantir a ordem e a permanência no poder, foram usados meios contrários aos princípios do animalismo.
Tratando-se de bem ou mal, Maquiavel expõe que na política não existe um bem absoluto. Em contrapartida, o mal também não é sempre um mal contrariado, bem como apresentado por um crítico português Jorge Sena no prefácio do livro O Príncipe nesta frase: “A pureza de intenções é capaz de todos os crimes, exatamente como as intenções são capazes dos mais nobres atos”. Mesmo que a política e a moral sejam de esferas diferentes, isso não quer dizer que elas não podem andar juntas. Há a necessidade de uma relação mútua que não anule as características particulares de cada uma
Ao voltarmos para a história de A Revolução dos bichos, nota-se mais uma vez que o que estava em jogo não era o bem do povo, e sim interesses pessoais da comissão de Napoleão. Ao adotar a nova política de comercialização com os vizinhos, acontecem três contradições: de não obter contato com humanos, não utilizar dinheiro e não fazer comércio, proposto antes da Revolução nos princípios animalistas. Mas Napoleão passou a aspirar a busca do “poder pelo poder”, obcecado por equilíbrio e estabilidade, e para isso, usava da crueldade.
E por falar em contradições, estas são observadas em demais ocasiões, no momento em que os porcos mudaram para casa grande, ao consumirem álcool, ao matarem os animais, ao criarem uma hierarquia entre os porcos e os demais, entre outros. No entanto, sempre existia uma justificativa para cada contradição, assim, os animais acabavam-se por convencidos. Quando não, estes ficavam no conformismo, por causa da repressão e também por já nem lembrarem mais de como era antes da revolução, já que “Napoleão sempre tem razão”, era preferível acreditar nas estatísticas apresentadas, do que duvidar e criticar. Nota-se nitidamente, que os objetivos já não eram mais como os antecedentes a revolução, que continuou a se transformar ao passo que “já não se sabia mais quem era porco, quem era homem”, ou seja, o socialismo vivido já estava com tantas peculiaridades capitalistas, que já não se sabia mais separar as características socialistas das capitalistas.
A única coisa que realmente importava para Napoleão era a conquista e a manutenção do poder. O político bem sucedido sabe o que fazer ou o que dizer em cada situação. E isso Garganta - que representa a propaganda na realidade política - sabia fazer como ninguém. Os animais viviam de aparências e de ilusões, mas preferiam acreditar que a vida passou a ter mais dignidade, pois passou a existir canções, discursos, desfiles e obras faraônicas. Afinal, a verdadeira felicidade, como disse Garganta, estava em trabalhar bastante e viver frugalmente. Dessa forma, “a granja ficava cada vez mais rica, sem nenhum animal ter enriquecido”.
No livro de Maquiavel isto é apresentado como virtu que é definida como a capacidade de realizar grandes obras ou o poder de efetuar mudanças, controlar eventos e a motivação para enfrentar a fortuna (acaso, necessidade natural), sem perder cada ocasione (oportunidade). Esta virtu deve ser praticada numa combinação de caráter, força e cálculo.
Maquiavel introduz a virtude política como astúcia e capacidade para adaptar-se às circunstâncias e aos tempos, como ousadia para agarrar a boa ocasião e força para não ser arrastado pelas más. Para isso, o pensador deixa de lado a ética e a moral social, pois a lógica política não tem nada a ver com as virtudes éticas dos indivíduos em sua vida privada. O que poderia ser imoral do ponto de vista da ética privada pode ser virtu política. Em outras palavras, Maquiavel inaugura a idéia de valores políticos medidos pela ação eficaz e pela utilidade social, afastados dos padrões que regulam a moralidade privada dos indivíduos. Caso contrário, a política seria uma fraqueza, pois o moralismo mascara a lógica real do poder. No livro A Revolução dos Bichos a virtu é vista nas obras realizadas por Napoleão, como a construção e a reconstrução do moinho destinado para o “bem de todos”, em que os animais se alimentavam cada vez menos e trabalhavam cada vez mais na construção deste, sem receber uma recompensa digna, pois quem acabava desfrutando eram os privilegiados que mantinham o poder, mantendo a aparência que o moinho era para todos.
A história escrita por George Orwell trata-se de um autêntico retrato da realidade e da finalidade da política. A unidade e o bem comum da sociedade é o disfarce usado para a opressão do povo, justificada pelo único mandamento que sobrou ao pensamento Animalista: “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros”.
REFERÊNCIAS
Figueira, Divalte Garcia. História: série novo ensino médio. São Paulo: Ática, 2003.
Maquiavel, Nicolau. O Príncipe, comentado por Napoleão Bonaparte. São Paulo: Martin Claret, 2005.
Orwell, George. A Revolução dos Bichos.
Site: http://www.truenet.com.br/pmaciel/maquiavel.html (Acesso em 29/08/2005)
Site: http://www.culturabrasil.pro.br/maquiavel.htm (Acesso em 29/08/2005)
Site: http://www.duplipensar.net (Acesso em 02/09/2005)
Site: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/rev_russa12.htm (Acesso em 02/09/2005)
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