quinta-feira, 26 de junho de 2008

Maquiavel

Maquiavel e a política contemporânea

Maquiavel é talvez um dos autores - como a imensa maioria dos clássicos de qualquer área - mais mal compreendidos tanto pela crítica como, principalmente, pelo senso comum. A própria significação que se dá ao termo maquiavélico revela esta incompreensão.

A principal destas imcompreensões provavelmente é a que o vincula à ação inescrupulosa e ao desejo do poder pelo Poder. Nada mais contrário a Maquiavel, ao definir que "os fins justificam os meios" - frase habitualmente utilizada fora de contexto - ele não desprezava os fins, os objetivos, mas sim os colocava em seu devido lugar: no centro de planejamento de qualquer ação política.

E quais eram os fins que Maquiavel almejava, pergunta que poucos se fazem. Em primeiro lugar ele desejava trazer para a Itália uma instituição republicana na qual a vontade do povo fosse respeitada. É bastante evidente em um texto dele - muito menos conhecido que "O Príncipe" - Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio sua vocação republicana e em certa medida democrática.

Mas mesmo nas páginas do Príncipe ele adverte ao soberano que é perigoso ser odiado pelo povo e que a um governante que não é capaz de manter-se em paz com o povo é inútil a proteção dos exércitos e fortificações. Isto se dá porque na sua compreensão de sociedade há atores múltiplos - o príncipe, os nobres, o povo - e portanto ele é capaz de perceber que sempre existirão conflitos na sociedade.

Este modelo é muito diferente dos posteriores que irão imaginar a existência de um Estado acima da sociedade - como o pensado pelo modelo liberal - ou apenas como apêndice de uma parte da sociedade - como os Marxistas. Ainda hoje parece ser um paradigma eficiente para analisar a política.

Metas realistas

Maquiavel dedica boa parte dos seus textos a avaliar que é necessário ver a política como ela é, não como ela deveria ser. Ao afirmar isto ele em momento nenhum advogou que os muitos truques - do assassinato à corrupção - analisados por ele fossem um padrão ou um ideal do que deveria ser a política - tampouco de que ela sempre haveria de ser assim. Ele apenas constatou fatos e analisou os dados presentes.

Assim a visão de Maquiavel é essencialmente estratégica: definir o objetivo, enxergar a realidade como ela é, refletir como a partir daquela realidade dada se pode chegar à situação desejada no objetivo, rever os objetivos a partir desta reflexão e, finalmente, pensar nas táticas que podem ajudar a concretizar o objetivo através de um processo gradual de metas realistas e concretas.

Além disto ele adverte de um lado para que não se perca o objetivo de vista e de outro para que nem toda tática é recomendável. A questão não é portanto linear nem são infinitas as escolhas porque algumas delas ampliam o risco admissível. Os riscos, avalia ele, às vezes devem ser corridos porque a sorte em geral favorece aos audazes, mas se deve estar conscientes deles. Mais ou menos o conceito de risco calculado da estratégia militar contemporânea.

Assim ele sabe que o Estado que ele deseja não será obtido enquanto a Itália não for unificada. Sabe que ela Não será unificada a não ser por um Príncipe forte e que este processo inevitavelmente conduzirá a guerras e violência. Sabe que esta centralização precisa se dar em torno de um nome forte porque precisará obrigatoriamente combater a aristocracia - com a qual o Estado republicano final não será possível. Daí o conteúdo até brutal em alguns momentos do Príncipe.

Síndrome de Cassandra

Curioso que Maquiavel, ao lado de dois outros grandes estrategistas - Ibn Khaldun e Karl Clausewitz - jamais tenham sido ouvidos em sua época. Maquiavel passou a vida toda tentando se fazer ouvir pelos príncipes italianos. Khaldun passou a vida fugindo de corte em corte do Magreb onde inevitavelmente caia em desgraça. Clausewitz jamais conseguiu ser levado a sério pelo Estado maior prussiano.

Tal como a personagem da mitologia grega, os três parecem ter recebido ao mesmo tempo o dom de prever o futuro e a maldição de não ser capaz de convencer ninguém das suas previsões por mais acertadas que fossem. Ainda assim Maquiavel continua hoje sendo um eficiente conselheiro, Clausewitz moldando os exércitos contemporâneos e Khaldun arrancando exclamações sobre a atualidade de seu modelo de interpretação do desenvolvimento das sociedade. Enquanto isto os contemporâneos a eles que obtiveram seus efêmeros sucessos tiveram o nome apagados da história.

Maquiavel e o Príncipe

Segundo Maquiavel, todos os Estados que existiram ou existem são repúblicas ou principados, hereditários ou novos, estes conquistados ou recebidos. Procura demonstrar como eles podem ser governados e preservados através dos atos dos antecessores mediante a contemporização ou pela retomada. Os Estados conquistados, para que sejam suscetíveis à dominação, não podem Ter suas leis e impostos modificados, nem a presença da linguagem do antigo príncipe. Um recurso útil é ir habitá-lo, para tornar-se acessível ao povo em casos amistosos, tornando assim, próximo para ser amado ou odiado, conforme o caso.

Há dois modos de se governar: um príncipe auxiliado por ministros que no governo são apenas servos, concessão do seu senhor e por barões, que por tradição de sangue, possuem essa qualidade. Quando são conquistados, por três modos se pode conservar-se a posse: Arruiná-los; Ir morar com eles; Deixar que vivam com suas leis, arrecadando um tributo e criando um governo de poucos. Um homem prudente deve escolher os trilhos já percorridos por outros homens, pois mesmo numa imitação falha, há muita coisa para ser aproveitada. Os que, pela virtude, antes se fazem príncipes, conquistam com dificuldade, mas com facilidade o conservam, atendendo a máxima de que todos os profetas armados vencem, ao passo que os desarmados fracassam. Contudo, há duas de tornar-se um príncipe: ? Atingir o principado pela maldade ou pelo favor dos conterrâneos.

Quem se torna príncipe pelo voto popular precisa manter-se amigo do povo, quem obtém de outra forma precisa conquistar-lhes a amizade. Os principados eclesiásticos são mais difíceis de serem conquistados, pois são pelo mérito ou pela fortuna, sustentam na rotina da religião. As principais bases que os Estados possuem: novos ou velhos, mistos ou não, são boas leis e bons princípios. Não existem boas leis onde não existam boas armas. As mercenárias e auxiliares são inúteis ou perigosas. Os príncipes de prudência repeliram sempre tais forças, antes perder com as suas que vencer auxiliados por outros. Deve o príncipe não Ter outra finalidade nem outro pensamento, senão a guerra, seu regulamento e disciplina, pois é a única arte que se atribui a quem comanda. O príncipe deve evitar a fama de avarento, que a custa dos outros se mantém; deve querer ser considerado piedoso e não cruel, deve empregar de modo conveniente esta piedade. É muito mais seguro ser temido que amado. Contudo, sem exceder-se, para não despertar o ódio.

Um príncipe e sobretudo um novo, não pode seguir todas as coisas são obrigados os homens tidos como bons, sendo muitas vezes, para conservar o seu Estado, obrigado a agir contra a caridade, a fé, a humildade e a religião. Ele precisa Ter duas razões de receio: Uma de origem interna, da parte de seus súditos, outra de origem externa, da parte dos de fora. Não deve temer as conspirações se ele é querido do povo, porém se este é seu inimigo e o odeia deve temer a tudo e a todos. É prudente não desarmar os seus súditos, mas armá-los, para que os defendam, exceto quando se trata de um Estado novo, recém conquistado. Quanto as fortalezas, são boas ou não, conforme as circunstâncias, mas a melhor fortaleza é não ser odiado pelo povo. Deve um príncipe mostrar-se amante das virtudes e honrar aqueles que se destacam numa arte qualquer, pois está na observação dos homens que estão ao seu redor; já o ministro será bom se não pensar em si mesmo, mas no príncipe. Os conselhos, venham de onde vierem, nascem da prudência do príncipe, e não a prudência do príncipe de bons conselhos. Pensa-se, naturalmente que as coisas do mundo são dirigidas pela fortuna e por Deus, de modo que a prudência não as corrige nem remedia. Por outro lado, a doutrina suscitou a reação do antimaquiavelismo político consistente na necessidade de conciliação entre a norma política e moral.

Maquiavel

Maquiavel, um dos principais pensadores políticos da história, desempenhou grande importância para a sociedade renascentista e até hoje ele é bastante analisado e criticado, causando grande admiração entre os autores contemporâneos . Maquiavel realizou uma carreira diplomata, passando 5 meses com o embaixador Cesare Borgia que foi uma das fontes de influência de Maquiavel devido a sua política enérgica e inescrupulosa. Maquiavel também se baseava nos livros da Antigüidade Clássica Romana para saber " como se conquista o poder, como se mantém o poder e como se perde o poder". Através da junção destas teses ele formou sua grande obra, O Príncipe.

O príncipe foi uma obra renascentista que defendia o poder absoluto que os chefes de estado deveriam usar. Ele observa a grave decadência política e moral da Itália e lamenta as invasões do país pelos "bárbaros" estrangeiros, Maquiavel dá conselhos a um príncipe ideal para conquistar o poder absoluto, acabar com as dissensões internas e expulsar os estrangeiros da Itália. Mas para fazer isso ele recomenda a utilização de todos os meios, inclusive a mentira, a fraude, a violência, enfim uma política autoritária. Ele era grande patriota e alertou que antigamente a utilização do poder autoritário foi para fins mesquinhos, não justificando sua utilização.

Maquiavel sofreu grandes críticas dos moralistas da época por ser o primeiro técnico de política. Sendo técnico político ele fez a distinção entre a moral dos indivíduos e a moral pública (ou da igreja ou dos partidos políticos ou das forças econômicas, etc.), que é a razão do Estado. De acordo com De Sanctis: "A teoria política de Maquiavel pode servir de instrumento, igualmente, aos tiranos e aos homens livres, sendo que o resultado só depende da inteligência de quem usa o instrumento."

Mais de quatro séculos nos separam da época em que viveu Maquiavel. Muitos leram e comentaram sua obra, mas um número consideravelmente maior de pessoas evoca seu nome ou pelo menos os termos que aí tem sua origem. "Maquiavélico e maquiavelismo" são adjetivo e substantivo que estão tanto no discurso erudito, no debate político, quanto na fala do dia-a-dia. Seu uso extrapola o mundo da política e habita sem nenhuma cerimônia o universo das relações privadas. Em qualquer de suas acepções , porém , o maquiavelismo está associado a idéia de perfídia , a um procedimento astucioso, velhaco, traiçoeiro. Estas expressões pejorativas sobreviveram de certa forma incólumes no tempo e no espaço, apenas alastrando-se da luta política para as desavenças do cotidiano."

Assim , hoje em dia , na maioria das vezes, Maquiavel é mal interpretado. Maquiavel, ao escrever sua principal obra, O PRÍNCIPE, criou um "manual da política", que pode ser interpretado de muitas maneiras diferentes. Talvez por isso sua frase mais famosa: -"Os fins justificam os meios"- seja tão mal interpretada. Mas para entender Maquiavel em seu real contexto, é necessário conhecer o período histórico em que viveu. É exatamente isso que vamos fazer.

Painel histórico :

Maquiavel viveu durante a Renascença Italiana , o que explica boa parte das suas idéias.

Na Itália do Renascimento reina grande confusão. A tirania impera em pequenos principados, governados despoticamente por casas reinantes sem tradição dinástica ou de direitos contestáveis. A ilegitimidade do poder gera situações de crise instabilidade permanente, onde somente o cálculo político, a astúcia e a ação rápida e fulminante contra os adversários são capazes de manter o príncipe. Esmagar ou reduzir à impotência a oposição interna, atemorizar os súditos para evitar a subversão e realizar alianças com outros principados constituem o eixo da administração. Como o poder se funda exclusivamente em atos de força, é previsível e natural que pela força seja deslocado, deste para aquele senhor. Nem a religião nem a tradição, nem a vontade popular legitimaram e ele tem de contar exclusivamente com sua energia criadora. A ausência de um Estado central e a extrema multipolarização do poder criam um vazio, que as mais fortes individualidades têm capacidade para ocupar.

Até 1494, graças aos esforços de Lourenço, o Magnífico, a península experimentou uma certa tranqüilidade.

Entretanto, desse ano em diante, as coisas mudaram muito. A desordem e a instabilidade ficaram incontroláveis. Para piorar a situação, que já estava grave devido aos conflitos internos entre os principados, somaram-se as constantes e desestruturadoras invasões dos países próximos como a França e a Espanha. E foi nesse cenário conturbado, onde nenhum governante conseguia se manter no poder por um período superior a dois meses, que Maquiavel passou a sua infância e adolescência.

Biobibliografia:

Maquiavel nasceu em Florença em 3 de maio de 1469, numa Itália "esplendorosa mas infeliz", segundo o historiador Garin. Sua família não era aristocrática nem rica. Seu pai , advogado como um típico renascentista, era um estudioso das humanidades, tendo se empenhado em transmitir uma aprimorada educação clássica para seu filho. Maquiavel com 12 anos, já escrevia no melhor estilo e, em latim.

Mas apesar do brilhantismo precoce, só em 1498, com 29 anos Maquiavel exerce seu primeiro cargo na vida pública. Foi nesse ano que Nicolau passou a ocupar a segunda chancelaria. Isso se deu após a deposição de Savonarola, acompanhado de todos os detentores de cargos importantes da república florentina. Nessa atividade, cumpriu uma série de missões, tanto fora da Itália como internamente, destacando-se sua diligência em instituir uma milícia nacional.

Com a queda de Soverine, em 1512, a dinastia Médici volta ao poder, desesperando Maquiavel, que é envolvido em uma conspiração, torturado e deportado. É permitido que se mude para São Cassiano, cidade pequena próxima de Florença, onde escreve sobre a Primeira década de Tito Lívio , mas interrompe esse trabalho para escrever sua obra prima: O Príncipe , segundo alguns , destinado a que se reabilitasse com os aristocratas, já que a obra era nada mais que um manual da política.

Maquiavel viveu uma vida tranqüila em S. Cassiano. Pela manhã, ocupava-se com a administração da pequena propriedade onde está confinado. À tarde, jogava cartas numa hospedaria com pessoas simples do povoado. E à noite vestia roupas de cerimônia para conviver, através da leitura com pessoas ilustres do passado, fato que levou algumas pessoas a considerá-lo louco.

A obra de Maquiavel é toda fundamentada em sua própria experiência, seja ela com os livros dos grandes escritores que o antecederam, ou sejam os anos como segundo chanceler, ou até mesmo a sua capacidade de olhar de fora e analisar o complicado governo do qual terminou fazendo parte.

Enfim, em 1527, com a queda dos Médici e a restauração da república, Maquiavel que achava estarem findos os seus problemas, viu-se identificado por jovens republicanos como alguém que tinha ligações com os tiranos depostos. Então viu-se vencido. Esgotaram-se suas forças. Foi a gota d’água que estava faltando. A república considerou-o seu inimigo. Desgostoso, adoece e morre em junho.

Mas nem depois de morto, Maquiavel terá descanso. Foi posto no Index pelo concílio de Trento, o que levou-o, desde então a ser objeto de excreção dos moralistas.

Separando a ética da política

Maquiavel faleceu sem ter visto realizados os ideais pelos quais se lutou durante toda a vida. A carreira pessoal nos negócios públicos tinha sido cortada pelo meio com o retorno dos Médici e, quando estes deixaram o poder, os cidadãos esqueceram-se dele, "um homem que a fortuna tinha feito capaz de discorrer apenas sobre assuntos de Estado". Também não chegou a ver a Itália forte e unificada.

Deixou porém um valioso legado: o conjunto de idéias elaborado em cinco ou seis anos de meditação forçada pelo exílio. Talvez nem ele mesmo soubesse avaliar a importância desses pensamentos dentro do panorama mais amplo da história, pois " especulou sempre sobre os problemas mais imediatos que se apresentavam". Apesar disso, revolucionou a história das teorias políticas, constituindo-se um marco que modificou o fato das teorias do Estado e da sociedade não ultrapassarem os limites da especulação filosófica.

O universo mental de Nicolau Maquiavel é completamente diverso. Em São Casciano, tem plena consciência de sua originalidade e trilha um novo caminho. Deliberadamente distancia-se dos " tratados sistemáticos da escolástica medieval" e, à semelhança dos renascentistas preocupados em fundar uma nova ciência física, rompe com o pensamento anterior, através da defesa do método da investigação empírica.

"Princípios maquiavélicos"

Maquiavel nunca chegou a escrever a sua frase mais famosa: "os fins justificam os meios". Mas com certeza ela é o melhor resumo para sua maneira de pensar. Seria praticamente impossível analisar num só trabalho , todo o pensamento de Nicolau Maquiavel , portanto, vamos analisá-lo baseados nessa máxima tão conhecida e tão diferentemente interpretada.

Ao escrever O Príncipe, Maquiavel expressa nitidamente os seus sentimentos de desejo de ver uma Itália poderosa e unificada. Expressa também a necessidade ( não só dele mas de todo o povo Italiano ) de um monarca com pulso firme, determinado que fosse um legítimo rei e que defendesse seu povo sem escrúpulos e nem medir esforços.

Em O Príncipe, Maquiavel faz uma referência elogiosa a César Bórgia, que após ter encontrado na recém conquistada Romanha , um lugar assolado por pilhagens , furtos e maldades de todo tipo, confia o poder a Dom Ramiro d'Orco. Este, por meio de uma tirania impiedosa e inflexível põe fim à anarquia e se faz detestado por toda parte. Para recuperar sua popularidade, só restava a Bórgia suprimir seu ministro. E um dia em plena praça , no meio de Cesena, mandou que o partissem ao meio. O povo por sua vez ficou , ao mesmo tempo, satisfeito e chocado.

Para Maquiavel , um príncipe não deve medir esforços nem hesitar, mesmo que diante da crueldade ou da trapaça, se o que estiver em jogo for a integridade nacional e o bem do seu povo.

" sou de parecer de que é melhor ser ousado do que prudente, pois a fortuna( oportunidade) é mulher e, para conservá-la submissa, é necessário (...) contrariá-la. Vê-se , que prefere, não raramente, deixar-se vender pelos ousados do que pelos que agem friamente. Por isso é sempre amiga dos jovens, visto terem eles menos respeito e mais ferocidade e subjugarem-na com mais audácia".

Para Maquiavel, como renascentista que era, quase tudo que veio antes estava errado. Esse tudo deve incluir os pensamentos e as idéias de Aristóteles. Ao contrário deste, Maquiavel não acredita que a prudência seja o melhor caminho. Para ele, a coerência está contida na arte de governar. Maquiavel procura a prática. A execução fria das observações meticulosamente analisadas, feitas sobre o Estado, a sociedade. Maquiavel segue o espírito renascentista, inovador. Ele quer superar o medieval. Quer separar os interesses do Estado dos dogmas e interesses da igreja.

Maquiavel não era o vilão que as pessoas pensam. Ele não era nem malvado. O termo maquiavélico tem sido constantemente mal interpretado.

"Os fins justificam os meios" .Maquiavel , ao dizer essa frase, provavelmente não fazia idéia de quanta polêmica ela causaria. Ao dizer isso, Maquiavel não quis dizer que qualquer atitude é justificada dependendo do seu objetivo. Seria totalmente absurdo. O que Maquiavel quis dizer foi que os fins determinam os meios. É de acordo com o seu objetivo que você vai traçar os seus planos de como atingi-los. (isso mostra como muitos ainda acham que Maquiavel disse essa frase)

A contribuição de Nicolau Maquiavel para o mundo é imensa. Ensinou, através da sua obra , a vários políticos e governantes. Aliás, a obra de Maquiavel entrou para sempre não só na história, como na nossa vida cotidiana atual, já que é aplicável a todos os tempos.

É possível perceber que "Maquiavel, fingindo ensinar aos governantes, ensinou também ao povo". E é por isso que até hoje, e provavelmente para sempre, ele será reconhecido como um dos maiores pensadores da história do mundo.

Marilena Chauí (professora de Filosofia na USP e autora de vários livros)

(Do livro: Filosofia, Marilena Chauí, Ed. Ática, ano 2000, SP, pág. 200-204)

À volta dos castelos feudais, durante a Idade Média, formaram-se aldeias ou burgos. Enquanto na sociedade como um todo prevalecia a relação de vassalagem - juramento de fidelidade prestado por um inferior a um superior que prometia proteger o vassalo -, nos burgos, a divisão social do trabalho fez aparecer uma outra organização social, a corporação de ofício. Tecelões, pedreiros, ferreiros, médicos, arquitetos, comerciantes, etc. organizavam-se em confrarias, em que os membros estavam ligados por um juramento de confiança recíproca.

Embora internamente as corporações também fossem hierárquicas, era possível, a partir de regras convencionadas entre seus membros, ascender na hierarquia e, externamente, nas relações com outras corporações, todos eram considerados livres e iguais. As corporações fazem surgir uma nova classe social que, nos séculos seguintes, irá tomar-se economicamente dominante e buscará também o domínio político: a burguesia, nascida dos burgos.

Desde o início do século XV, em certas regiões da Europa, as antigas cidades do Império Romano e as novas cidades surgidas dos burgos medievais entram em desenvolvimento econômico e social. Grandes rotas comerciais tomam poderosas as corporações e as famílias de comerciantes enquanto o poderio agrário dos barões comerciantes, enquanto o poderio agrário dos barões começa a diminuir.

As cidades estão iniciando o que viria a ser conhecido como capitalismo comercial ou mercantil. Para desenvolvê-lo, não podem continuar submetidas aos padrões, às regras e aos tributos da economia feudal agrária e iniciam lutas por franquias econômicas. As lutas econômicas da burguesia nascente contra a nobreza feudal prosseguem sob a forma de reivindicações políticas: as cidades desejam independência diante dos barões, reis, papas e imperadores.

Na Itália, a redescoberta das obras de pensadores, artistas e técnicos da cultura greco-romana, particularmente das antigas teorias políticas, suscita um ideal político novo: o da liberdade republicana contra o poder teológico-político de papas e imperadores.

Estamos no período conhecido como Renascimento, no qual se espera reencontrar o pensamento, as artes, a ética, as técnicas e a política existentes antes que o saber tivesse sido considerado privilégio da Igreja e os teólogos houvessem adquirido autoridade para decidir o que poderia e o que não poderia ser pensado, dito e feito.

Filósofos, historiadores, dramaturgos, retóricas, tratados de medicina, biologia, arquitetura, matemática, enfim, tudo o que fora criado pela cultura antiga é lido, traduzido, comentado e aplicado,

Esparta, Atenas e Roma são tornadas como exemplos da liberdade republicana. imitá-las é valorizar a prática política, a vita activa, contra o ideal da vida espiritual contemplativa imposto pela Igreja. Fala-se, agora, na liberdade republicana e na vida política como as formas mais altas da dignidade humana.

Nesse ambiente, entre 1513 e 1514, em Florença, é escrita a obra que inaugura o pensamento político moderno: O príncipe, de Maquiavel.

Antes de O Príncipe

Embora diferentes e, muitas vezes, contrárias, as obras políticas medievais e renascentistas operam num mundo cristão. Isso significa que, para todas elas, a relação entre política e religião é um dado de que não podem escapar. É verdade que as teorias medievais são teocráticas, enquanto as renascentistas procuram evitar a idéia de que o poder seria uma graça ou um favor divino; no entanto, embora recusem a teocracia, não podem recusar uma outra idéia qual seja, a de que o poder político só é legítimo se for justo e só será justo se estiver de acordo com a vontade de Deus e a Providência divina. Assim, elementos de teologia continuam presentes nas formulações teóricas da política.

Se deixarmos de lado as diferenças entre medievais e renascentistas e considerarmos suas obras políticas como cristãs, poderemos perceber certos traços comuns a todas elas:

1. encontram uni fundamento para a política anterior e exterior à própria política. Em outras palavras, para alguns, o fundamento da política encontra-se em Deus (seja na vontade divina, que doa o poder aos homens, seja na Providência divina, que favorece o poder de alguns homens); para outros, encontra-se na Natureza, isto é, na ordem natural, que fez o homem um ser naturalmente político; e, para alguns, encontra-se na razão, isto é, na idéia de que existe uma racionalidade que governa o mundo e os homens, torna-os racionais e os faz instituir a vida política. Há, pois, algo - Deus, Natureza ou razão - anterior e exterior à política, servindo de fundamento a ela;

2. afirmam que a política é instituição de uma comunidade una e indivisa, cuja finalidade é realizar o bem comum ou justiça. A boa política é feita pela boa comunidade harmoniosa, pacífica e ordeira. Lutas, conflitos e divisões são vistos como perigos, frutos de homens perversos e sediciosos, que devem a qualquer preço, ser afastados da comunidade e do poder;

3. assentam a boa comunidade e a boa política na figura do bom governo, isto é, no príncipe virtuoso e racional, portador da justiça, da harmonia e da indivisão da comunidade;

4. classificam os regimes políticos em justos-legítimos e injustos-ilegítimos, colocando a monarquia e a aristocracia hereditárias entre os primeiros e identificando com o os segundos o poder obtido por conquista e usurpação, denominando-o tirânico. Este é considerado antinatural, irracional, contrário à vontade de Deus e à justiça, obra de um governante vicioso e perverso.

Em relação à tradição do pensamento político, a obra de Maquiavel é demolidora e revolucionária.

Maquiavélico, maquiavelismo

Estamos acostumados a ouvir as expressões maquiavélico e maquiavelismo.. São usadas quando alguém deseja referir-se tanto à política como aos políticos, e a certas atitudes das pessoas, mesmo quando não ligadas diretamente a uma ação política (fala-se, por exemplo, num comerciante maquiavélico, numa professora maquiavélica, no maquiavelismo de certos jornais, etc.,).

Quando ouvimos ou empregamos essas expressões? Sempre que pretendemos julgar a ação ou a conduta de alguém desleal, hipócrita, fingidor, poderosamente malévolo, que brinca com sentimentos e desejos dos outros, mente-lhes, faz a eles promessas que sabe que não cumprirá, usa a boa-fé alheia em seu próprio proveito.

Falamos num "poder maquiavélico" para nos referirmos a um poder que age secretamente nos bastidores, mantendo suas intenções e finalidades desconhecidas para os cidadãos; que afirma que os fins justificam os meios e usa meios imorais, violentos e perversos para conseguir o que quer; que dá as regras do jogo, mas fica às escondidas, esperando que os jogadores causem a si mesmos sua própria ruína e destruição.

Maquiavélico e maquiavelismo fazem pensar em alguém extremamente poderoso e perverso, sedutor e enganador, que sabe levar as pessoas a fazer exatamente o que ele deseja, mesmo que sejam aniquiladas por isso. Como se nota, maquiavélico e maquiavelismo correspondem àquilo que, em nossa cultura, é considerado diabólico.

Que teria escrito Maquiavel para que gente que nunca leu sua obra e que nem mesmo sabe que existiu, um dia, em Florença, uma pessoa com esse nome, fale em maquiavélico e maquiavelismo?

A revolução maquiaveliana

Diferentemente dos teólogos, que partiam da Bíblia e do Direito Romano para formular teorias políticas, e diferentemente dos contemporâneos renascentistas, que partiam das obras dos filósofos clássicos para construir suas teorias políticas, Maquiavel parte da experiência real de seu tempo.

Foi diplomata e conselheiro dos governantes de Florença, viu as lutas européias de centralização monárquica (França, Inglaterra, Espanha, Portugal), viu a ascensão da burguesia comercial das grandes cidades e sobretudo via a fragmentação da Itália, dividida em reinos, ducados, repúblicas e Igreja.

A compreensão dessas experiências históricas e a interpretação do sentido delas o conduziram à idéia de que uma nova concepção da sociedade e da política tornara-se necessária, sobretudo para a Itália e para Florença.

Sua obra funda o pensamento político moderno porque busca oferecer respostas novas a uma situação histórica nova, que seus contemporâneos tentavam compreender lendo os autores antigos, deixando escapar a observação dos acontecimentos que ocorriam diante de seus olhos.

Se compararmos o pensamento político de Maquiavel com os quatro pontos nos quais resumimos a tradição política, observaremos por onde passa a ruptura maquiaveliana:

1. Maquiavel não admite um fundamento anterior e exterior à política (Deus, Natureza ou razão). Toda Cidade, diz ele em O príncipe, está originariamente dividida por dois desejos opostos: o desejo dos grandes de oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser oprimido nem comandado. Essa divisão evidencia que a Cidade não é uma comunidade homogênea nascida da vontade divina, da ordem natural ou da razão humana. Na realidade, a Cidade é tecida por lutas internas que a obrigam a instituir um pólo superior que possa unificá-la e dar-lhe identidade. Esse pólo é o poder político. Assim, a política nasce das lutas sociais e é obra da própria sociedade para dar a si mesma unidade e identidade. A política resulta da ação social a partir das divisões sociais;

2. Maquiavel não aceita a idéia da boa comunidade política constituída para o bem comum e a ,justiça. Como vimos, o ponto de partida da política para ele é a divisão social entre os grandes e o povo. A sociedade é originariamente dividida e jamais pode ser vista como uma comunidade una, indivisa, homogênea, voltada para o bem comum. Essa imagem da unidade e da indivisão, diz Maquiavel, é uma máscara com que os grandes recobrem a realidade social para enganar, oprimir e comandar o povo, como se os interesses dos grandes e dos populares fossem os mesmos e todos fossem irmãos e iguais numa bela comunidade. A finalidade da política não é, como diziam os pensadores gregos, romanos e cristãos, a justiça e o bem comum, mas, como sempre souberam os políticos, a tomada e manutenção do poder. O verdadeiro príncipe é aquele que sabe tomar e conservar o poder e que, para isso, jamais deve aliar-se aos grandes, pois estes são seus rivais e querem o poder para si, mas deve aliar-se ao povo, que espera do governante a imposição de limites ao desejo de opressão e mando dos grandes. A política não é a lógica racional da justiça e da ética, mas a lógica da força transformada em lógica do poder e da lei;

3. Maquiavel recusa a figura do bom governo encarnada no príncipe virtuoso, portador das virtudes cristãs, das virtudes morais e das virtudes principescas. O príncipe precisa ter virtú, mas esta é propriamente política, referindo-se às qualidades do dirigente para tomai, e manter o poder, mesmo que para isso deva usar a violência, a mentira, a astúcia e a força. A tradição afirmava que o governante devia ser amado e respeitado pelos governados. Maquiavel afirma que o príncipe não pode ser odiado. Isso significa, em primeiro lugar, que deve ser respeitado e temido - o que só é possível se não for odiado. Significa, em segundo lugar, que não precisa ser amado, por isso o faria um pai para a sociedade e, sabemos, um pai conhece apenas um tipo de poder, o despótico. A virtude política do príncipe aparecerá na qualidade das instituições que souber criar e manter e na capacidade que tiver para enfrentar as ocasiões adversas, isto é, a fortuna ou sorte;

4. Maquiavel não aceita a divisão clássica dos três regimes políticos (monarquia, aristocracia, democracia) e suas formas corruptas ou ilegítimas (tirania, oligarquia, demagogia/anarquia), como não aceita que o regime legítimo seja o hereditário e o ilegítimo, o usurpado por conquista. Qualquer regime político - tenha a forma que tiver e tenha a origem que tiver - poderá ser legítimo ou ilegítimo. O critério de avaliação, ou o valor que mede a legitimidade e a ilegitimidade, é a liberdade.

Todo regime político em que o poderio de opressão e comando dos grandes é maior do que o poder do príncipe e esmaga o povo é ilegítimo; caso contrário, é legítimo. Assim, legitimidade e ilegitimidade dependem do modo como as lutas sociais encontram respostas políticas capazes de garantir o único princípio que rege a política: o poder do príncipe deve ser superior ao dos grandes e estar a serviço do povo. O príncipe pode ser monarca hereditário ou por conquista; pode ser todo um povo que conquista, pela força, o poder. Qualquer desses regimes políticos será legítimo se for se for uma república e não despotismo ou tirania, isto é, só é legítimo o regime no qual o poder não está a serviço dos desejos e interesses de um particular ou de um grupo de particulares.

A tradição grega tornou ética e política inseparáveis, a tradição romana colocou nessa identidade da ética e da política na pessoa virtuosa do governante e a tradição cristã transformou a pessoa política num corpo místico sacralizado que encarnava a vontade de Deus e a comunidade humana. Hereditariedade, personalidade e virtude formavam o centro da política, orientada pela idéia de justiça e bem comum. Esse conjunto de idéias e imagens é demolido por Maquiavel. Um dos aspectos da concepção rnaquiaveliana que melhor revela essa demolição encontra-se na figura do príncipe virtuoso.

No estudo da ética, a questão central posta pelos filósofos sempre foi: O que está e o que não está em nosso poder? "Estar em nosso poder" significava a ação voluntária racional livre, própria da virtude, e "não estar em nosso poder" significava o conjunto de circunstâncias externas que agem sobre nós e determinam nossa vontade e nossa ação. Esse conjunto de circunstâncias que não dependem de nós nem de nossa vontade foi chamado pela tradição filosófica de fortuna.

A oposição virtude-fortuna jamais abandonou a ética e, como esta surgia inseparável da política, a mesma oposição se fez presente no pensamento político. Neste, o governante virtuoso é aquele cujas virtudes não sucumbem ao poderio da caprichosa e inconstante fortuna.

Maquiavel retoma essa oposição, mas lhe imprime um sentido Inteiramente novo. A virtú do príncipe não consiste num conjunto fixo de qualidades morais que ele oporá à fortuna, lutando contra ela. A virtù é a capacidade do príncipe para ser flexível às circunstâncias, mudando com elas para agarrar e dominar a fortuna. Em outras palavras, um príncipe que agir sempre da mesma maneira e de acordo com os mesmos princípios em todas as circunstâncias fracassará e não terá virtú alguma.

Para ser senhor da sorte ou das circunstâncias, deve mudar com elas e, como elas, ser volúvel e inconstante, pois somente assim saberá agarrá-las e vencê-las. Em certas circunstâncias, deverá ser cruel, em outras, generoso; em certas ocasiões deverá mentir, em outras, ser honrado; em certos momentos, deverá ceder à vontade dos outros, em alguns, ser inflexível.

O ethos ou caráter do príncipe deve variar com as circunstâncias, para que sempre seja senhor delas.

A fortuna, diz Maquiavel, é sempre favorável a quem desejar agarrá-la. Oferece-se como um presente a todo aquele que tiver ousadia para dobrá-la e vencê-la. Assim, em lugar da tradicional oposição entre a constância do caráter virtuoso e a inconstância da fortuna, Maquiavel introduz a virtude política como astúcia e capacidade para adaptar-se às circunstâncias e aos tempos, como ousadia para agarrar a boa ocasião e força para não ser arrastado pelas más.

A lógica política nada tem a ver com as virtudes éticas dos indivíduos em sua vida privada. O que poderia ser imoral do ponto de vista da ética privada pode ser virtú política. Em outras palavras, Maquiavel inaugura a idéia de valores políticos medidos pela eficácia prática e pela utilidade social, afastados dos padrões que regulam a moralidade privada dos indivíduos. O ethos político e o ethos moral são diferentes e não há fraqueza política maior do que o moralismo que mascara a lógica real do poder.

Por ter inaugurado a teoria moderna da lógica do poder como independente da religião, da ética e da ordem natural, Maquiavel só poderia ter sido visto como "maquiavélico". As palavras maquiavélico e maquiavelismo, criadas no século XVI e conservadas até hoje, exprimem o medo que se tem da política quando esta é simplesmente política, isto é, sem as máscaras da religião, da moral, da razão e da Natureza.

Para o Ocidente cristão do século XVI, O Príncipe maquiaveliano, não sendo o bom governo sob Deus e a razão, só poderia ser diabólico. À sacralização do poder, feita pela teologia política, só poderia opor-se a demonização. É essa imagem satânica da política como ação social puramente humana que os termos maquiavélico e maquiavelismo designam.

Bibliografia

Nota: existem infinitos textos que analisam o pensamento de Maquiavel, sob a ótica de diferentes autores. Portanto algumas vezes as opiniões diferem. Por esse motivo, decidimos apresentar junto a análise, os textos nos quais nos baseamos e para evitar equívocos, mantemos os textos originais dos seus respectivos autores. Além disso, para obtermos uma base sólida de seu raciocínio, anexamos ao trabalho o texto de Marilena Chauí indicado pelo professor

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Maquiavel: a Lógica da Força. São Paulo, Editora Moderna, 1993

CHAUí, Marilena. Filosofia, São Paulo, Ed. Ática, 2000

http://www.truenet.com.br/pmaciel/maquiavel.html

http://www.culturabrasil.pro.br/maquiavel.htm

http://www.grimmerland.hpg.com.br/maquiavel.htm

http://sites.uol.com.br/resenhas/maquiavel.html

http://www.truenet.com.br/pmaciel/maquiavel.html

http://www.sociedadecultura.cjb.net

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